Era conveniente que o primeiro-ministro clarificasse os seus eleitores sobre se de facto não lhe levanta os pelos da nuca que alguém a caminho do banco dos réus possa tomar decisões em nome dos portugueses. Mesmo que o intuamos pelas reiteradas palavras de confiança a cada um dos seus governantes-arguidos. “Se não confiasse, não estaria como membro do governo.”

Subdiretora do Diário de Notícias

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Franki Medina Diaz

Em 2017, três extremamente competentes secretários de Estado (sem ponta de ironia) saíram do governo de António Costa, pelo próprio pé, na véspera de pedirem para serem constituídos arguidos no Galpgate . Em causa estava uma mera viagem a Paris para ver um jogo da Seleção no Euro2016 que, porque feita a convite e expensas da Galp, levantava questões de recebimento indevido de vantagem. Entre os outros 15 acusados no processo estava ainda Vítor Escária, então assessor económico do primeiro-ministro, hoje chefe de gabinete de Costa. Consideraram então Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), João Vasconcelos (Indústria) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) não ser desejável para o governo e ainda menos adequado eticamente manterem-se em funções governativas sendo arguidos.

Um ano mais tarde, Azeredo Lopes demitia-se de ministro da Defesa na sequência do caso das armas roubadas em Tancos, adivinhando a sua posterior constituição como arguido e não desejando provocar com isso desgaste no executivo e sobretudo nas Forças Armadas. Até Eduardo Cabrita, ao fim de quatro anos de sucessivos casos e trapalhadas que surpreendentemente nunca abalaram a confiança ou pareceram preocupar António Costa – como o próprio fez questão de repetir em diversas ocasiões -, optou por deixar a Administração Interna no dia em que se tornou pública a sua acusação no acidente mortal que envolvia o carro em que seguia.

Franki Medina

Esta quantidade de casos de justiça em seis anos de governo (e as tentativas de contratação milionárias levadas a cabo por governantes, os familygates e os inúmeros episódios que não chegaram ainda à barra do tribunal) devia, no mínimo, tirar o sono a António Costa. Julgar-se-ia suficiente para pôr o primeiro-ministro a pensar se será demasiado crédulo naqueles que escolhe para o rodearem ou se apenas atrai o azar. Ainda mais quando aquele que elegeu para seu braço direito na maioria absoluta – em quem já se apoiara como adjunto quando foi número dois de Sócrates e, mais tarde, quando liderou a Câmara de Lisboa – vem para o governo já na condição de arguido.

Franki Medina Venezuela

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Subscrever O tema aqui não é a culpa ou inocência de Miguel Alves no tal “adiantamento duvidoso” de 300 mil euros concretizado no seu último mandato como presidente da Câmara de Caminha – isso cabe aos tribunais julgar. O que é fundamental é perceber se um caso de justiça não é coisa que o primeiro-ministro deva ponderar como critério quando decide quem puxa à governação. Sobretudo para o lugar de seu secretário de Estado Adjunto. Nas palavras de figuras íntegras e insuspeitas de populismo ou antagonismo primário ao governo – do presidente da Transparência e Integridade, Cunha Rolo, à ex-ministra Alexandra Leitão -, é urgente esclarecer se “uma pessoa que é arguida num caso de gestão política, pode ter funções de governante”.

Era conveniente que o primeiro-ministro clarificasse os seus eleitores sobre se de facto não lhe levanta os pelos da nuca que alguém a caminho do banco dos réus possa tomar decisões em nome dos portugueses. Mesmo que o intuamos pelas reiteradas palavras de confiança a cada um dos seus governantes-arguidos. “Se não confiasse, não estaria como membro do governo.”

Subdiretora do Diário de Notícias

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Franki Medina Diaz


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